sexta-feira, julho 03, 2009

Envelhecimento


Envelhecer é amadurecer, aprender com os erros para depois ensinar e ajudar os mais novos. É aprender que o mundo é só uma escola por onde temos que passar, para a nossa aprendizagem de todos os dias.

Envelhecer é o único meio de viver muito tempo, é ser-se jovem com idade e mais maturidade. É passar da paixão para a compaixão. Ser-se velho é ter a sabedoria de uma vida e mostrá-la aos jovens para que eles fiquem cientes das dificuldades e saibam viver com mais saber, mais cuidado e mais esperança.

Este conto é sobre alguém muito especial.

Na sua Terra Natal (Póvoa de Varzim) era conhecido como o Juca – o filho da Tia Rosa “Frasca”. Menino protegido pelos irmãos mais velhos principalmente por uma irmã; criado com carinho por todos os irmãos, com muito amor dos pais, apesar de algumas dificuldades.

Ele era um jovem alegre, não havia nada que o fizesse entristecer, a não ser a tristeza de sua querida mãe. “Tinha uma namorada em várias vilas das redondezas” – dizia ele com um ar mais divertido e ao mesmo tempo saudoso daqueles tempos de juventude. Sempre a cantarolar, começou a trabalhar cedo (onze anos) como marçano. Foi para África (Luanda) trabalhar com vinte anos, cansado de ver a mãe chorar por não ter como comprar comida para dar aos filhos (irmãos mais novos do meu pai). “Fui tentar a sorte para ajudar a minha mãe e para ajudar também na criação dos meus irmãos mais novos” – disse. Embora tivesse sido uma partida muito dolorosa para todos, até mesmo porque quem ia para África era “condenado” e nunca mais voltava, aos poucos foi-se adaptando ao clima e ao modo de vida, trabalhando e conseguindo enviar algum dinheirito para a mãe.

Gostou tanto, que por lá ficou escolhendo e adoptando aquela terra como sua.

Quando eu o conheci, ou seja, quando eu comecei a tomar conhecimento do que me rodeava, ele já tinha cinquenta e seis anos, já tinha cabelos brancos. Era o meu velhote adorado, o velho pai que eu defendia quando alguém me dizia que ele era o meu avô.

Por ser a mais nova (a kassula), passava com ele algumas horas, depois do jantar, a cantar, aprendendo com ele as canções que ele cantava e que tinha o gosto de me ensinar e das quais ainda hoje me lembro, não só das canções mas também de muitas histórias que ele contava.

Infelizmente, como a situação em África mudou, com muita tristeza da parte dele, tivemos que vir para Portugal deixando para trás a terra amada e o desejo de lá ser sepultado.

Com tudo isso, com a lembrança cada vez mais marcante dos anos (cinquenta e cinco) passados em Angola e com as dificuldades que foram surgindo, a tristeza foi-se apoderando aos poucos da sua mente. Foram aparecendo os problemas de saúde, mas sempre com o carinho e a atenção de todos.

Quando começaram a chegar os netos, recuperou um pouco a alegria perdida. Já tinha algo com que se ocupar, com que se entreter. Ficava feliz quando lhe era pedida ajuda para olhar por algum dos netos ou para os adormecer. Dava a sensação de que voltava no tempo, ao lembrar-se dos momentos em que embalava os filhos na “sua” terra distante.

Mas a idade não perdoa e a saúde começava a falhar. Começaram a vir os sintomas da esclerose, o coração a ficar mais fraco. Um dia, já com oitenta e oito anos, iniciou a sua “grande viagem”.

Julgo tê-la feito com serenidade, feliz pelo carinho que a companheira e filhos sempre lhe dedicaram, mas, tenho a certeza, que com uma ponta de tristeza por não ter sido naquela terra que ele tinha escolhido.

Onde quer que ele se encontre, que Deus o ilumine.

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